Na reportagem do programa “Fantástico” de 17/07/2016 sobre a Previdência Social brasileira, novamente assistimos a um discurso parcial e permeado por vários equívocos, omissões e interesses não confessados.
A reportagem centrou fogo na redução de benefícios, dando ênfase ao discurso oficial e sob o enfoque do que dizem os economistas, com erros grosseiros quanto a informações fundamentais como, por exemplo, o cálculo da aposentadoria por idade e as alterações já produzidas desde 1998 até aqui, tanto no Regime do INSS quanto nos Regimes de Servidores.
O sistema previdenciário brasileiro é complexo e precisa, sim, de ajustes, porque tem várias distorções. Mas, do meu ponto de vista, os ajustes urgentes são outros.
Citarei apenas os três principais tópicos – que foram evidentemente omitidos pela reportagem – neste texto.
Primeira omissão: a Desvinculação das Receitas da União (DRU)
Conforme explica a página oficial do Senado, “A Desvinculação de Receitas da União (DRU) é um mecanismo que permite ao governo federal usar livremente 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem a cerca de 90% do montante desvinculado.” (vide http://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/dru).
Pois bem, tal desvinculação, ao que tudo indica, será estendida até 2023, gerando uma perda para os cofres do sistema da ordem de R$ 120 bilhões (vide http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/06/1777420-camara-aprova-dru-em-1-turno-entenda-o-que-isso-significa.shtml).
Então, como é possível acreditar que há um déficit no sistema, se desde 1994 até 2015 o equivalente a 20% de tudo que foi arrecadado em contribuições ao sistema foi “desvinculado” para gastos do Governo (gastos estes em outras coisas que não a Previdência: por exemplo, para custear as obras dos grandes eventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas)?
Segunda omissão: a péssima gestão do sistema de arrecadação e cobrança.
Qualquer pessoa ou empresa que se preza tem atenção especial com a coluna “contas a receber”. Se alguém me deve, e eu não cobro a dívida, a tendência é que eu fique “no prejuízo”.
Porém, a Previdência Social brasileira continua deixando “escoar pelo ralo”, segundo levantamento da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (vide http://www.anfip.org.br/informacoes/noticias/ANFIP-na-midia-Divida-ativa-da-Previdencia-Social-e-de-aproximadamente-R-340- bilhoes-Hoje-em-Dia_23-05-2016) cerca de R$ 340 bilhões. É a chamada “Dívida Ativa”, ou seja, a soma de tudo o que a Receita Federal apurou (e não cobrou) dos devedores (geralmente muito grandes) do sistema.
Pergunta-se: por que não começar os “ajustes” pela cobrança dos grandes devedores?
Serão eles, também, grandes financiadores de campanhas eleitorais? Ou isso será mera coincidência?
E não estamos falando – ainda – da sonegação fiscal, que é pública e notória do Oiapoque ao Chuí. Sonegar não é só estar em dívida com o sistema (inadimplência), o sonegador é criminoso. Então, o que perdemos em termos de sonegação fiscal?
Terceira omissão: desoneração (renúncia fiscal) e inapetência governamental (sonegação fiscal)
Em que pese a alegação de déficit, o governo, por lei, desde 2011, resolveu abrir mão (renúncia fiscal) de cobrar cerca de R$ 63,43 bilhões até fevereiro deste ano, com brechas criadas na legislação para que as empresas pagassem menos contribuições ao sistema, segundo autoridades da própria Receita Federal, brechas estas que também geraram fraudes, tendo sido montada “uma força-tarefa com a elite dos auditores fiscais do País para investigar fraudes tributárias”, a fim de descobrir, só neste tipo de situação, um rombo de aproximadamente R$ 6 bilhões (vide http://fundacaoanfip.org.br/site/2016/06/desoneracao-da-folha-abriu-brechas-para-elevar-sonegacao-diz-receita/).
Claro que, se há prejuízo (para a sociedade) com a sonegação, alguém está se beneficiando também. Convém refletir sobre isso.
E quanto custa a sonegação?
Segundo o site Quanto Custa o Brasil – que mantém o “impostômetro”, entre outros indicadores em matéria de (in)justiça fiscal, “poder-se-ia estimar um indicador de sonegação de 28,4% da arrecadação”, o que equivale a 10,0% do PIB, ou seja, “representaria o valor de R$ 415,1 bilhões caso levado em conta o PIB do ano de 2011”.
Conclui o texto publicado naquele site: “poder-se- ia afirmar que se não houvesse evasão, o peso da carga tributária poderia ser reduzida em quase 30% e ainda manter o mesmo nível de arrecadação. Esses R$ 415,1 bilhões estimados de sonegação tributária são superiores a tudo o que foi arrecadado, em 2011, de Imposto de Renda (R$ 278,3 bilhões), a mais do que foi arrecadado de tributos sobre a Folha e Salários (R$ 376,8 bilhões) e a mais da metade do que foi tributado sobre Bens e Serviços (R$ 720,1 bilhões).” – vide http://www.quantocustaobrasil.com.br/artigos/sonegacao-no-brasil-uma-estimativa-do-desvio-da-arrecadacao.
Concluindo este pequeno ensaio, diferentemente das “palavras ao vento” lançadas por interlocutores com interesses não declarados na reportagem, ao que parece há aspectos bem mais relevantes para serem abordados ao se discutir a sério (mesmo) a Previdência Social brasileira.
E, para não dizer que não falei das medidas citadas na matéria, registro que os ajustes relacionados à fixação de idade mínima e postergação do tempo para aposentadoria devem ser analisados com estudos atuariais de longo prazo, e não na forma de medidas adotadas como soluções milagrosas em tempos de crise, num oportunismo que coloca o debate sob um cenário de terror e sem a necessária visão interdisciplinar e sua amplitude intergeracional.
Afinal, é nosso dever deixar para as gerações futuras uma Previdência Social mais justa, porque proteja a todos, mas também porque seja construída e financiada por todos.
Quanto aos que devem e não colaboram com o sistema, está mais do que na hora de pagar a conta.
Texto publicado pelo ilustre professor Carlos Alberto Pereira de Castro sobre a reportagem do Fantástico que tratou do tema “Previdência Social”.
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